domingo, outubro 17

Sonho Adiado

Ela não sabia as vezes que morrera. Ela não sabia as vezes que ele a matara, como agora.
Ele via a boca que se movia. Via as palavras jorrarem, mas não as ouvia. Concentrou-se naquela boca, imaginou-a fechada. Definitivamente fechada. Selada como um túmulo.
Sorriu-lhe:
- Sim, querida.
Olhou através dela. Imaginou o coração a bater, o músculo em esforço, o sangue a tentar correr através das artérias que ele, em pensamento, bloqueava. Viu o coração bater cada vez mais devagar. O músculo convulso prestes a explodir.
Sorriu-lhe:
- Sim, querida.
Ela levantou-se, afastou a cadeira e começou a levantar a mesa contando da coitada da vizinha que tinha tantos problemas com o filho. Ele acendeu um cigarro, recostou-se na cadeira semicerrou os olhos.
Olhou-a. Levantou-se. Aproximou-se. Colocou-se atrás dela. Estendeu as mãos e acariciou-lhe o pescoço, depois devagar comprimiu as cordas vocais. Sentiu a artéria latejar nas mãos enquanto apertava mais e mais. Calando-a definitivamente. Anulando-a definitivamente.
Sorriu-lhe:
-Sim, querida.
Suspirou quando ela saiu do seu campo visual.
- Um dia destes…

Autoria da correspondente exclusiva do
Erotismo na Cidade: a Encandescente que escreveu este texto em resposta ao meu apelo para uma tentativa de terror & suspense. Fotografia de A. Brito.

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