Num reino distante nasceu um príncipe que chorava noite e dia. Os pais, reis daquele reino distante, não sabiam porque chorava tanto o príncipe. Consultaram todos os especialistas do reino, chamaram outros dos reinos vizinhos e ninguém sabia porque chorava e se contorcia como se o dilacerassem. E o príncipe, que aparentemente era um bebé saudável, definhava a cada dia que passava e nas lágrimas e no choro se esvaía. Até que descobriram que o som era o causador das dores que o príncipe sentia. Quando o som o penetrava, ampliava-se, ecoava dentro dele, tornava-se faca que o cortava e o fazia retorcer e gritar com dores que o rasgavam dentro. Os reis decidiram decretar, impor o silêncio, para salvar o príncipe. Decretos foram redigidos e espalhados entre a população. Um corpo especial de polícia foi formado para combater o som. Desligaram-se todos os aparelhos. Todos os passos eram abafados. Toda a gente foi proibida de falar, as fronteiras foram fechadas para que ninguém entrasse no reino e quebrasse o silêncio. Todos os animais foram mortos e até as árvores foram preparadas para afastar os pássaros, para que nem um piar se ouvisse. As crianças foram ensinadas a não falar, e como o olhar era tentação, foram também ensinadas a não olhar ninguém nos olhos. No reino distante do silêncio esqueceram a fala. Sem a fala, esqueceram as palavras de afecto. E foi esquecida a palavra amor. E esquecida a palavra amor foram esquecidos os gestos, e sem os gestos esqueceram o amor. E não nasceram mais crianças no reino do príncipe que não podia ouvir sons. Os relógios foram proibidos por causa do bater das horas. Deixou de haver hora e datas a serem lembradas. Até que deixou de haver tempo. Não se contaram mais histórias e, com o passar do tempo, o reino do príncipe silêncio deixou de ter história. O resto do mundo esqueceu que aquele reino existia porque nenhum som saia dele, até que não apareceu mais assinalado em nenhum mapa. E deixou de haver reino.
Autoria da correspondente exclusiva do Erotismo na Cidade - Cantos De Um Amor Reinventado: a Encandescente.
Fotografia de Joel Santos.
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