quinta-feira, setembro 1

Frio

"Vai à merda"
Saiu do carro, bateu com a porta e ficou ali parada no passeio, a vê-lo afastar-se. Apetecia-lhe gritar, pegar numa pedra e partir aquela montra ali, para soltar a raiva que sentia.

Olhou para a montra. "Burra, os sinais estavam todos lá, tu não quiseste ver!", disse para a imagem no vidro. Sabia que os vira, mas que os tinha ignorado, na esperança que não fossem verdade. Que se iludira porque o amava daquela forma tão inteira, porque o tinha dentro dela e se admitisse a verdade dos sinais teria de dizer adeus, como dissera momentos antes no carro àquele sacana que se afastava e que lhe dissera:
"Conheci a Luísa, não sei que se passou..."

Ela tinha vivido com a incerteza do amor, abafado as dúvidas, calado as perguntas com medo das respostas, mas ali, no carro, o saber que alguém mais o tinha tocado, amado, e que ele desejara outro corpo sem ser o dela, foi um murro no estômago que a fez encolher, que a partiu, e que depois para poder sobreviver a fez explodir em raiva.

Apertou o casaco, o frio da dor, do abandono, começava a instalar-se arrefecendo-a, substituindo o calor da zanga. "Sacana de merda", repetiu, na esperança que o saber que fizera o correcto o arrancasse de si.

Virou a cabeça, olhou para a estrada de onde a presença dele se tinha apagado, e num pedido mudo feito de lágrimas retidas disse baixinho:
"Volta meu amor".

Da autoria da talentosa-e-cada-vez-mais-famosa-e-que-nunca-mais-publica-um-livro
Encandescente

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