Agora já não tenho vergonha, percebes? Mas durante anos não contei a ninguém, nem mesmo quando saí de casa e te deixei mergulhado no desespero de quem por fim se vê sozinho. Ainda pensei em voltar, lembrava-me dos teus dedos suaves na minha nuca, das palavras bonitas que me sussurravas a chorar quando me pedias desculpa. Mas depois lembrava-me da violência, da prepotência, da injustiça, do medo de estar em casa contigo, do esforço para não chorar nem gritar, não fossem os vizinhos ouvir-me e saber que me batias, que não havia suficientes escadas nem portas onde eu caísse e batesse.
Às vezes eras terno quando fazias amor comigo. Outras vezes, depois de me beijares e acariciares, batias-me violentamente na cara, gritando “Que puta és tu que ficas com as cuecas molhadas com a merda de um beijo?”
Mais tarde, batias-me porque eu não respondia aos teus estímulos e ficava deitada, hirta, na cama, contigo por cima de mim. Lembras-te quando ficavas sentado por cima da minha pélvis, a minha cona cheia ainda do teu esperma e tu a esbofetear-me porque eu não tinha sequer fingido que me tinha vindo? E de quando me bateste porque viste o senhor do café cumprimentar-me apesar dos meus olhos no chão? E de quando me arrastaste pelos cabelos até à casa de banho e enfiaste a minha cabeça debaixo da água gelada porque eu estava a ver o “Esplendor na relva” e tu achaste que eu estava a ficar excitada?
Lembras-te quando te disse que a minha irmã me tinha pedido para ir à praia para a ajudar a tomar conta dos miúdos, enquanto tu ias trabalhar, e de me dizeres que não eras nenhum balde de merda? De me dares um estalo no café do centro comercial porque não eras nenhum balde de merda?
Lembras-te da roupa que me impedias de usar porque todos os homens eram neuróticos? Lembras-te de me ter batido por te ter dito que não eras meu pai, que não mandavas em mim?
Lembras-te de todas as outras vezes?
Mas agora já não tenho vergonha. Agora já nem quero encontrar-te na rua quando visto a minha saia curta ou a minha blusa decotada. Agora já só lamento a sorte de quem te caia nas mãos, de quem escorregue no mel das tuas palavras bonitas, de quem acredite quando pedes desculpa e dizes que não voltará a acontecer, que é por gostares tanto que queres preservar o que tens.
Lamento a tua mãe que só vai com o teu pai ao café uma vez por ano, e é se ele estiver bem disposto. E lamento-te a ti por seres um animal.
Mas já não tenho vergonha.
O texto é da Rosa Púrpura e foi publicado na Funda São. Para rematar o post deixo-vos com este link para o blog Twenty Four, onde apresentam uma campanha de publicidade alemã contra a violência doméstica.
Às vezes eras terno quando fazias amor comigo. Outras vezes, depois de me beijares e acariciares, batias-me violentamente na cara, gritando “Que puta és tu que ficas com as cuecas molhadas com a merda de um beijo?”
Mais tarde, batias-me porque eu não respondia aos teus estímulos e ficava deitada, hirta, na cama, contigo por cima de mim. Lembras-te quando ficavas sentado por cima da minha pélvis, a minha cona cheia ainda do teu esperma e tu a esbofetear-me porque eu não tinha sequer fingido que me tinha vindo? E de quando me bateste porque viste o senhor do café cumprimentar-me apesar dos meus olhos no chão? E de quando me arrastaste pelos cabelos até à casa de banho e enfiaste a minha cabeça debaixo da água gelada porque eu estava a ver o “Esplendor na relva” e tu achaste que eu estava a ficar excitada?
Lembras-te quando te disse que a minha irmã me tinha pedido para ir à praia para a ajudar a tomar conta dos miúdos, enquanto tu ias trabalhar, e de me dizeres que não eras nenhum balde de merda? De me dares um estalo no café do centro comercial porque não eras nenhum balde de merda?
Lembras-te da roupa que me impedias de usar porque todos os homens eram neuróticos? Lembras-te de me ter batido por te ter dito que não eras meu pai, que não mandavas em mim?
Lembras-te de todas as outras vezes?
Mas agora já não tenho vergonha. Agora já nem quero encontrar-te na rua quando visto a minha saia curta ou a minha blusa decotada. Agora já só lamento a sorte de quem te caia nas mãos, de quem escorregue no mel das tuas palavras bonitas, de quem acredite quando pedes desculpa e dizes que não voltará a acontecer, que é por gostares tanto que queres preservar o que tens.
Lamento a tua mãe que só vai com o teu pai ao café uma vez por ano, e é se ele estiver bem disposto. E lamento-te a ti por seres um animal.
Mas já não tenho vergonha.
O texto é da Rosa Púrpura e foi publicado na Funda São. Para rematar o post deixo-vos com este link para o blog Twenty Four, onde apresentam uma campanha de publicidade alemã contra a violência doméstica.
«Uma em cada quatro mulheres torna-se
"Quando alguém a ti disser
que te bate por carinho
faz tal qual o seu querer
e dá-lhe um murro no focinho!"
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